Junho, 2000. Enviado-especial ao Torneio de Toulon, em França, aproveitei para fazer uma entrevista com o árbitro Jorge Coroado, então no auge da sua carreira, e nessa época vencedor do prémio Apito de Ouro, do Record. As suas palavras foram fortes e intemporais. Hoje continuam actualíssimas.
Jorge Coroado: "O erro viaja connosco no saco"
Por um capricho de calendário, é em Toulon que reencontro Jorge Coroado e lhe digo o que ele já sabe: ganhou o Apito de Ouro, o prémio com que o nosso jornal distingue o árbitro com melhor média pontual no campeonato nacional. Coroado já vencera três, e este é o terceiro consecutivo num total de quatro. A uma época do termo da sua carreira, o juiz lisboeta sonha vencer o prémio pela quinta vez, um projecto que, diz, alimenta desde a segunda vitória. Outra meta, na próxima época, é totalizar 200 jogos na I Divisão, agora denominada I Liga. Homem frontal, muitas vezes polémico, cultivando uma crítica implacável e uma ironia arrasadora, este lisboeta, administrativo num banco, já ganhou um lugar muito próprio na arbitragem portuguesa. Vai, certamente, ficar um vazio quando, no final da próxima época, terminar a sua carreira.
- Já venceu muitos prémios em quinze anos de arbitragem, e recebe agora mais este. Continua a ser especial ou é apenas mais um prémio?
- Representa sempre algo de especial. Principalmente quando se trata de um prémio atribuído por um jornal como o Record, e que é o prémio mais antigo e de maior prestígio das publicações desportivas. E também porque a classificação atribuída pelo Record é feita sem qualquer interesse comercial, sem aproveitamento de situações pontuais ou Adrianais, e no meu caso pessoal por não haver relações interactivas de colaboração com a publicação...
- Isto significa que a época lhe correu bem?
- Significa que quem aprecia, analisa e critica entendeu que eu segui o que deve ser exigido a um árbitro. Por outro lado, pelo que sei o Record não atribui o prémio subjugado a vontades institucionais ou subordinado a comportamentos dos premiados, e isso deixa-me muito satisfeito.
- Mesmo antes de saber que tinha ganho, já fizera uma autocrítica, um balanço, à sua temporada?
- Quando ganhei o segundo Apito de Ouro faltavam três épocas para terminar a minha carreira, e eu disse então ao seu colega que me entrevistou que a minha vontade era ganhar os restantes prémios até ao fim da actividade. Esta época não fugiu à regra. Pontualmente posso ter tido um ou outro jogo menos conseguido, mas tenho consciência de que aquilo que fiz é merecedor deste prémio.
- Falta-lhe uma época, e um Apito de Ouro...
- Falta-me mais um para a minha galeria de recordações. Felizmente, tenho muitos troféus, embora ao olhar para alguns fique com pena, porque no ano em que os conquistei as publicações terminaram, casos da "Foot" e da "Gazeta dos Desportos"...
- Já sente o final da carreira?
- Faço 45 anos em Março do próximo ano e, em termos regulamentares e atendendo à discriminação da idade, a próxima época será a última. Devíamos tomar em consideração o que se passa, por exemplo, na sociedade americana, onde não há discriminação pela idade e a competência é colocada em primeiro lugar. Mas não. Também, digo-lhe uma coisa... já estou há quinze anos na primeira categoria, sou o mais velho internacional, o mais velho na I Divisão... e conto, na próxima época, atingir os duzentos jogos na I Divisão!
- Sente algum cansaço?
- Quem corre por gosto não cansa. Nós, árbitros, se tivéssemos que fazer um jogo de manhã e outro à tarde, faríamos esses jogos de boa vontade!
- Donde vem esse gosto pela arbitragem? Não é uma função fácil...
- Pois... como é que aparece esse gosto? Também faço essa pergunta... às vezes, quando penso que vou terminar a carreira, penso também: vou libertar-me. Mas logo de imediato raciocino: como é que eu vou passar sem isto? Durante os defesos, nas duas ou três primeiras semanas sabe-nos bem, mas ao fim de um mês já começamos a sentir a falta. Porquê?
Há pouco tempo, antes de um jogo complicado para o campeonato, um vizinho meu, pescador por desporto, esteve à conversa comigo até à uma da manhã e fez-me essa pergunta várias vezes. Comparei o gosto pela arbitragem ao gosto dele pela pesca. Mas ele logo que me disse que pesca, come e ninguém o chateia; um árbitro, por vezes, come pela medida grossa e sai chamuscado... não sei, talvez seja uma questão de orgulho, de vaidade... é um desafio, sempre!
- Falou de um jogo complicado... qual foi o jogo?
- O Salgueiros-Sporting.
- Ia falar-lhe nisso. Como se sentiu, dirigindo um jogo de tão grande significado histórico? Um árbitro consegue alhear-se de todo esse envolvimento?
- Como seres humanos, temos consciência do que está em jogo. Mas, com tantos anos de arbitragem, muito sinceramente, não me deixo perturbar por essas situações. Procuro fazer sempre o melhor que posso, contribuindo para impor o cumprimento do que está regulamentado, e para que haja verdade. O erro viaja connosco no saco e nem sempre estamos imunes a cometer um ou dois erros. Lamento é que as pessoas não saibam ultrapassar essas situações e quando um árbitro erra logo o acusam de intencionalidade.
- Desde que venceu o primeiro Apito de Ouro até agora, sente que alguma coisa mudou na forma como é apreciada a função dos árbitros?
- Sim, nos últimos tempos há um diminuir da crítica aos árbitros. As pessoas tomaram consciência que criticar por criticar não conduz a nada e acaba por desacreditar o espectáculo.
- Acha mesmo que as críticas diminuíram? E as análises, na televisão, aos lances mais polémicos?
- Na Comunicação, a polémica é o que melhor vende. Eu lamento isso, e pergunto por que razão é que uma grande penalidade mal assinalada pode ter mais peso e impacto televisivo que o soberbo golo marcado por Figo no jogo com a Dinamarca. Por que não repetir até à exaustão esse golo, que é uma imagem maravilhosa? Penso que, no fundo, a acusação ao árbitro é uma forma de aligeirar as responsabilidades de cada um.
- Ou seja, afinal as polémicas à volta da arbitragem não terminaram...
- Mantém-se a discussão e até se perspectiva que suba, atendendo à conclusão desta temporada. Há especialistas nesta matéria e, atendendo ao envelhecimento de um ou outro grupo, é natural que os patrões 'experts' na matéria saiam a terreiro defendendo a sua dama.
- Há quem pense que as novas tecnologias poderão tornar o futebol mais imune aos erros dos árbitros. O que lhe parece?
- Tenho muitas dúvidas que as novas tecnologias possam contribuir para melhorar a arbitragem. Há coisas que talvez possam ser adaptadas, como a comunicação áudio entre os quatro elementos, e se existirem condições para analisar aqueles lances em que a bola entra na baliza e sai a seguir, aceito... mas, por exemplo, a colocação das câmaras torna sempre difícil analisar-se convenientemente um lance, porque basta um pequeno desvio na câmara ou um aumento na velocidade da bola para que de imediato o lance seja desvirtuado. Há dois anos, num jogo que dirigi (Chaves-FC Porto), um dos golos mereceu alguma discussão (foi anulado por fora-de-jogo) porque duas estações de televisão mostraram o lance de forma diametralmente oposta. Numa delas a bola já partira do pé do jogador, na outra o pé ainda não chegara à bola... Toda e qualquer indústria vive da inspiração do ser humano. As grandes empresas fazem-se com decisões certas e erradas dos seus colaboradores, e em qualquer actividade o colaborador que menos erra é o que mais beneficia. E na arbitragem também.
- Pensa que o profissionalismo poderia ser uma solução?
- Discordo em absoluto do profissionalismo total para o árbitro. Por várias razões, e entre elas o limite de idade, e a idade em que normalmente o árbitro consegue chegar ao “top”. O erro não é erradicado por o árbitro ser profissional. É preciso é condições que permitam ao árbitro ter mais estabilidade profissional e melhor protecção jurídica de quem o ofende. Até a conquista de um campeonato seria bem mais limpa e deixaria de estar “manchada” por declarações espúrias de alguns dirigentes, vulgo aquele que em Fevereiro de 1999, no jornal "O Jogo", disse que a sua equipa não ganhava campeonatos porque não pagava nada a ninguém. Será que, ganhando, pagou?
- Fala na necessidade de melhores condições. Acha que a classe tem trabalhado para isso? Tem feito o que pode ou poderia fazer mais?
- (Longo silêncio)... não comento.
- É complicado falar sobre isso?
- Em termos globais, e atendendo às instituições existentes, não me manifesto sobre esse assunto. Fiz profissão de fé e quero manter-me como tal.
- E eu que lhe ia perguntar a sua opinião sobre o documento da APAF, "Arbitragem 2000"...
- De 2000 conheço a passagem do ano. Foi maravilhosa e espero que a passagem para o ano 2001, a da mudança de século, seja ainda mais agradável.
"NÃO TRANSPORTO A PASTA DO PROFESSOR"
A uma época do final da carreira, Jorge Coroado já deixou de sonhar com a presença na fase final de um Europeu ou de um Mundial. Em 1992 esteve como quarto árbitro de Rosa Santos no Europeu da Suécia, mas a oportunidade de dirigir um jogo nunca surgiu. Uma situação pouco esperada para um árbitro que é actualmente o internacional português há mais tempo em actividade.
"Embora sendo ambicioso, nunca o fui de forma cega e, conhecendo-me como me conheço, e sabendo que a minha mãe me aconselhou a utilização de mochila para transporte dos livros, para andar de coluna direita, sei também que ela me aconselhou a não transportar a pasta do professor..."
Por detrás de toda esta ironia parece morar, porém, alguma mágoa. Afinal, o prestígio europeu de Coroado está demonstrado neste convite para o Torneio de Toulon. Olhando a enorme baía, lá muito em baixo, completamente visível da altura em que estamos, no Hotel La Tour Blanche, junto ao teleférico, o juiz lisboeta sorri: "Estou aqui pela quarta vez e já fui convidado para a quinta... também já estive nos Estados Unidos da América, e dirigi a final da A. A. Dallas Cup (sub-20).
E não fiz guerra para estar nestas competições, nem pedi a ajuda a ninguém. Costuma dizer-se que por trás de um grande homem está sempre uma grande mulher. Ao longo da história, alguns homens souberam pôr as mulheres à frente, outros nem uma coisa nem outra, e outros souberam criar condições por si próprios. Por vezes, vale mais cair em graça que ser engraçado".
Pergunto-lhe se considera que a arbitragem portuguesa estará bem representado no Euro-2000. Sucinto: "Basta que a arbitragem portuguesa esteja representada".
"RESPONSABILIZAR QUEM NOMEIA"
Sorteio ou nomeação são métodos que têm alimentado a discussão à volta da arbitragem em Portugal. Coroado nunca hesitou na opção a tomar: "Desde sempre me manifestei contra o sorteio. É uma demonstração de falta de reconhecimento e de idoneidade sobretudo para quem nomeia. Mais para quem nomeia que para os próprios árbitros."
A possibilidade de alteração do sistema satisfaz o juiz lisboeta: "O sorteio aconteceu fruto de comportamentos menos correctos que existiram. No entanto, actualmente entendo que já estão reunidas as condições para se retomar a nomeação directa e responsabilizar quem nomeia".
"SEDUZ-ME A ÁREA DO DIREITO"
Profissionalmente, Jorge Coroado é administrativo no Banco Comercial Português/Banco Português do Atlântico (BCP/BPA). Provavelmente, o termo da carreira na arbitragem vai permitir-lhe uma outra disponibilidade para evoluir nesta área. Até agora, reconhece, isso não foi possível: "A arbitragem limitou-me um pouco a ascensão na minha actividade profissional. Ausento-me com frequência para arbitrar jogos, inclusivamente no estrangeiro, e numa empresa como aquela as exigências profissionais são muitas. Mas quando assumi a arbitragem, de corpo inteiro, já tinha consciência destas limitações."
Agora, novas perspectivas se abrem. Coroado (que tem actualmente as habilitações equivalentes ao 12º ano) já pensa, mesmo, num curso universitário: "Quem sabe se não estarei agora na disposição de vir a obter um canudo universitário? Pelos testes psicotécnicos que fiz, há duas áreas onde tenho boas possibilidades: o direito e a psicologia. Uma delas, o direito, seduz-me, até porque seria uma forma de poder continuar ligado ao futebol...".
- Já venceu muitos prémios em quinze anos de arbitragem, e recebe agora mais este. Continua a ser especial ou é apenas mais um prémio?
- Representa sempre algo de especial. Principalmente quando se trata de um prémio atribuído por um jornal como o Record, e que é o prémio mais antigo e de maior prestígio das publicações desportivas. E também porque a classificação atribuída pelo Record é feita sem qualquer interesse comercial, sem aproveitamento de situações pontuais ou Adrianais, e no meu caso pessoal por não haver relações interactivas de colaboração com a publicação...
- Isto significa que a época lhe correu bem?
- Significa que quem aprecia, analisa e critica entendeu que eu segui o que deve ser exigido a um árbitro. Por outro lado, pelo que sei o Record não atribui o prémio subjugado a vontades institucionais ou subordinado a comportamentos dos premiados, e isso deixa-me muito satisfeito.
- Mesmo antes de saber que tinha ganho, já fizera uma autocrítica, um balanço, à sua temporada?
- Quando ganhei o segundo Apito de Ouro faltavam três épocas para terminar a minha carreira, e eu disse então ao seu colega que me entrevistou que a minha vontade era ganhar os restantes prémios até ao fim da actividade. Esta época não fugiu à regra. Pontualmente posso ter tido um ou outro jogo menos conseguido, mas tenho consciência de que aquilo que fiz é merecedor deste prémio.
- Falta-lhe uma época, e um Apito de Ouro...
- Falta-me mais um para a minha galeria de recordações. Felizmente, tenho muitos troféus, embora ao olhar para alguns fique com pena, porque no ano em que os conquistei as publicações terminaram, casos da "Foot" e da "Gazeta dos Desportos"...
- Já sente o final da carreira?
- Faço 45 anos em Março do próximo ano e, em termos regulamentares e atendendo à discriminação da idade, a próxima época será a última. Devíamos tomar em consideração o que se passa, por exemplo, na sociedade americana, onde não há discriminação pela idade e a competência é colocada em primeiro lugar. Mas não. Também, digo-lhe uma coisa... já estou há quinze anos na primeira categoria, sou o mais velho internacional, o mais velho na I Divisão... e conto, na próxima época, atingir os duzentos jogos na I Divisão!
- Sente algum cansaço?
- Quem corre por gosto não cansa. Nós, árbitros, se tivéssemos que fazer um jogo de manhã e outro à tarde, faríamos esses jogos de boa vontade!
- Donde vem esse gosto pela arbitragem? Não é uma função fácil...
- Pois... como é que aparece esse gosto? Também faço essa pergunta... às vezes, quando penso que vou terminar a carreira, penso também: vou libertar-me. Mas logo de imediato raciocino: como é que eu vou passar sem isto? Durante os defesos, nas duas ou três primeiras semanas sabe-nos bem, mas ao fim de um mês já começamos a sentir a falta. Porquê?
Há pouco tempo, antes de um jogo complicado para o campeonato, um vizinho meu, pescador por desporto, esteve à conversa comigo até à uma da manhã e fez-me essa pergunta várias vezes. Comparei o gosto pela arbitragem ao gosto dele pela pesca. Mas ele logo que me disse que pesca, come e ninguém o chateia; um árbitro, por vezes, come pela medida grossa e sai chamuscado... não sei, talvez seja uma questão de orgulho, de vaidade... é um desafio, sempre!
- Falou de um jogo complicado... qual foi o jogo?
- O Salgueiros-Sporting.
- Ia falar-lhe nisso. Como se sentiu, dirigindo um jogo de tão grande significado histórico? Um árbitro consegue alhear-se de todo esse envolvimento?
- Como seres humanos, temos consciência do que está em jogo. Mas, com tantos anos de arbitragem, muito sinceramente, não me deixo perturbar por essas situações. Procuro fazer sempre o melhor que posso, contribuindo para impor o cumprimento do que está regulamentado, e para que haja verdade. O erro viaja connosco no saco e nem sempre estamos imunes a cometer um ou dois erros. Lamento é que as pessoas não saibam ultrapassar essas situações e quando um árbitro erra logo o acusam de intencionalidade.
- Desde que venceu o primeiro Apito de Ouro até agora, sente que alguma coisa mudou na forma como é apreciada a função dos árbitros?
- Sim, nos últimos tempos há um diminuir da crítica aos árbitros. As pessoas tomaram consciência que criticar por criticar não conduz a nada e acaba por desacreditar o espectáculo.
- Acha mesmo que as críticas diminuíram? E as análises, na televisão, aos lances mais polémicos?
- Na Comunicação, a polémica é o que melhor vende. Eu lamento isso, e pergunto por que razão é que uma grande penalidade mal assinalada pode ter mais peso e impacto televisivo que o soberbo golo marcado por Figo no jogo com a Dinamarca. Por que não repetir até à exaustão esse golo, que é uma imagem maravilhosa? Penso que, no fundo, a acusação ao árbitro é uma forma de aligeirar as responsabilidades de cada um.
- Ou seja, afinal as polémicas à volta da arbitragem não terminaram...
- Mantém-se a discussão e até se perspectiva que suba, atendendo à conclusão desta temporada. Há especialistas nesta matéria e, atendendo ao envelhecimento de um ou outro grupo, é natural que os patrões 'experts' na matéria saiam a terreiro defendendo a sua dama.
- Há quem pense que as novas tecnologias poderão tornar o futebol mais imune aos erros dos árbitros. O que lhe parece?
- Tenho muitas dúvidas que as novas tecnologias possam contribuir para melhorar a arbitragem. Há coisas que talvez possam ser adaptadas, como a comunicação áudio entre os quatro elementos, e se existirem condições para analisar aqueles lances em que a bola entra na baliza e sai a seguir, aceito... mas, por exemplo, a colocação das câmaras torna sempre difícil analisar-se convenientemente um lance, porque basta um pequeno desvio na câmara ou um aumento na velocidade da bola para que de imediato o lance seja desvirtuado. Há dois anos, num jogo que dirigi (Chaves-FC Porto), um dos golos mereceu alguma discussão (foi anulado por fora-de-jogo) porque duas estações de televisão mostraram o lance de forma diametralmente oposta. Numa delas a bola já partira do pé do jogador, na outra o pé ainda não chegara à bola... Toda e qualquer indústria vive da inspiração do ser humano. As grandes empresas fazem-se com decisões certas e erradas dos seus colaboradores, e em qualquer actividade o colaborador que menos erra é o que mais beneficia. E na arbitragem também.
- Pensa que o profissionalismo poderia ser uma solução?
- Discordo em absoluto do profissionalismo total para o árbitro. Por várias razões, e entre elas o limite de idade, e a idade em que normalmente o árbitro consegue chegar ao “top”. O erro não é erradicado por o árbitro ser profissional. É preciso é condições que permitam ao árbitro ter mais estabilidade profissional e melhor protecção jurídica de quem o ofende. Até a conquista de um campeonato seria bem mais limpa e deixaria de estar “manchada” por declarações espúrias de alguns dirigentes, vulgo aquele que em Fevereiro de 1999, no jornal "O Jogo", disse que a sua equipa não ganhava campeonatos porque não pagava nada a ninguém. Será que, ganhando, pagou?
- Fala na necessidade de melhores condições. Acha que a classe tem trabalhado para isso? Tem feito o que pode ou poderia fazer mais?
- (Longo silêncio)... não comento.
- É complicado falar sobre isso?
- Em termos globais, e atendendo às instituições existentes, não me manifesto sobre esse assunto. Fiz profissão de fé e quero manter-me como tal.
- E eu que lhe ia perguntar a sua opinião sobre o documento da APAF, "Arbitragem 2000"...
- De 2000 conheço a passagem do ano. Foi maravilhosa e espero que a passagem para o ano 2001, a da mudança de século, seja ainda mais agradável.
"NÃO TRANSPORTO A PASTA DO PROFESSOR"
A uma época do final da carreira, Jorge Coroado já deixou de sonhar com a presença na fase final de um Europeu ou de um Mundial. Em 1992 esteve como quarto árbitro de Rosa Santos no Europeu da Suécia, mas a oportunidade de dirigir um jogo nunca surgiu. Uma situação pouco esperada para um árbitro que é actualmente o internacional português há mais tempo em actividade.
"Embora sendo ambicioso, nunca o fui de forma cega e, conhecendo-me como me conheço, e sabendo que a minha mãe me aconselhou a utilização de mochila para transporte dos livros, para andar de coluna direita, sei também que ela me aconselhou a não transportar a pasta do professor..."
Por detrás de toda esta ironia parece morar, porém, alguma mágoa. Afinal, o prestígio europeu de Coroado está demonstrado neste convite para o Torneio de Toulon. Olhando a enorme baía, lá muito em baixo, completamente visível da altura em que estamos, no Hotel La Tour Blanche, junto ao teleférico, o juiz lisboeta sorri: "Estou aqui pela quarta vez e já fui convidado para a quinta... também já estive nos Estados Unidos da América, e dirigi a final da A. A. Dallas Cup (sub-20).
E não fiz guerra para estar nestas competições, nem pedi a ajuda a ninguém. Costuma dizer-se que por trás de um grande homem está sempre uma grande mulher. Ao longo da história, alguns homens souberam pôr as mulheres à frente, outros nem uma coisa nem outra, e outros souberam criar condições por si próprios. Por vezes, vale mais cair em graça que ser engraçado".
Pergunto-lhe se considera que a arbitragem portuguesa estará bem representado no Euro-2000. Sucinto: "Basta que a arbitragem portuguesa esteja representada".
"RESPONSABILIZAR QUEM NOMEIA"
Sorteio ou nomeação são métodos que têm alimentado a discussão à volta da arbitragem em Portugal. Coroado nunca hesitou na opção a tomar: "Desde sempre me manifestei contra o sorteio. É uma demonstração de falta de reconhecimento e de idoneidade sobretudo para quem nomeia. Mais para quem nomeia que para os próprios árbitros."
A possibilidade de alteração do sistema satisfaz o juiz lisboeta: "O sorteio aconteceu fruto de comportamentos menos correctos que existiram. No entanto, actualmente entendo que já estão reunidas as condições para se retomar a nomeação directa e responsabilizar quem nomeia".
"SEDUZ-ME A ÁREA DO DIREITO"
Profissionalmente, Jorge Coroado é administrativo no Banco Comercial Português/Banco Português do Atlântico (BCP/BPA). Provavelmente, o termo da carreira na arbitragem vai permitir-lhe uma outra disponibilidade para evoluir nesta área. Até agora, reconhece, isso não foi possível: "A arbitragem limitou-me um pouco a ascensão na minha actividade profissional. Ausento-me com frequência para arbitrar jogos, inclusivamente no estrangeiro, e numa empresa como aquela as exigências profissionais são muitas. Mas quando assumi a arbitragem, de corpo inteiro, já tinha consciência destas limitações."
Agora, novas perspectivas se abrem. Coroado (que tem actualmente as habilitações equivalentes ao 12º ano) já pensa, mesmo, num curso universitário: "Quem sabe se não estarei agora na disposição de vir a obter um canudo universitário? Pelos testes psicotécnicos que fiz, há duas áreas onde tenho boas possibilidades: o direito e a psicologia. Uma delas, o direito, seduz-me, até porque seria uma forma de poder continuar ligado ao futebol...".